segunda-feira, 15 de julho de 2013


                             





                    




   Fonte: g1.globo.com – em 14/07/2013.  “Manifestantes chegam ao Palácio Guanabara por volta das 18h40” (Foto: Alba Valéria Mendonça/G1).



O tema do último AVM individual é o atual contexto político e social do país: o Brasil está não menos que mergulhado em uma revolução social: manifestações que ofuscaram o início dos jogos da Copa das Confederações, reviravolta nas discussões de propostas de lei... Muito inédito e muito bem-vindo. Os estudantes estão completamente entregues aos protestos, tentando escolher o futuro e o país que querem para viver.
Nesse contexto está inserida a imagem que ilustra nossa discussão linguística desse último AVM:
“DILMA CONSTRUIU ESTÁDIO. NÓS CONSTRUIREMOS UM ESTADO!”
Na faixa em frente ao Palácio da Guanabara, sede do poder executivo do estado do Rio de Janeiro, manifestantes cobram essa reconstrução.
Morfologia!
Construiremos, antes de um Estado, um Blog: a missão é discutir alomorfia, morfema zero e processos morfológicos. 
Dizemos que o alomorfe é a realização de um segmento distinto que contenha a mesma semântica, isto é, a mesma noção de plural, como em –s e –es, nos pares MÚSICA/MÚSICAS e COLAR/COLARES. No português, como a realização do morfema –s é mais recorrente do que seus outros correspondentes – há outras formas de representar plural – dizemos que essa é a forma básica.[i] É fundamental, portanto, para garantir que um morfema seja considerado alomorfe de outro, que a sua realização represente necessariamente a mesma função semântica da forma básica.
Vejamos, em CONSTRUIREMOS: a segmentação pode acontecer identificando a raiz e seus afixos.
1-constru-ir (Infinitivo. sufixo –ir indica que o verbo pertence à terceira conjugação)
2-constru-i-re-mos (-i- vogal temática da 3ª conjugação; -re- tempo verbal futuro do indicativo; -mos 1ª  pessoa do plural)
3-constru-í-mos (-i- vogal temática da 3ª conjugação; -mos 1ª  pessoa do plural)
Percebemos pela comparação das formas verbais eleitas que a raiz é constru-, pois se mantém em todas as segmentações e que a vogal temática indica a conjugação à qual obedece o verbo.
 Para o par entre as palavras 2-3, um fenômeno atrai especial atenção: é a ausência de um afixo de tempo que marca o presente do indicativo. Pode-se, então, afirmar que essa ausência é recorrente? Sim, após a análise de outros grupos completos de palavras.
Senão vejamos: se analisarmos as formas verbais CONSTRUIR e VIAJAR, observaremos a regularidade desse morfema zero denotando o presente do indicativo na 1ª pessoa do plural. Ao final deste post, pode-se conferir a conjugação no modo indicativo dos verbos analisados.
Morfema zero, então, é a representação semântica por meio de um vazio recorrente e sistemático, alegado pelo linguista quando os estudos comprovam que o significado não surge de outro morfema ou quando não há morfemas cumulativos, que trazem a semântica de tempo e modo juntos, ou de número e pessoa, aspecto.
Um adendo: há palavras como pires, lápis e ônibus em que não é possível formar plural pela aposição de um afixo. nesse sentido, há morfema zero de número, mas essa noção semântica emerge do contexto: o pires quebrou/os pires quebraram-se; o lápis preto/os lápis pretos; o ônibus lotado/os ônibus lotados.
Para finalizar, um tema que mereceria um texto inteiro a ele dedicado: os processos morfológicos!
Os processos morfológicos são os seguintes:

Adição, reduplicação, alternância e subtração

 
 

ADIÇÃO
No primeiro tipo temos, como o nome sugere, a adição de um afixo à raiz da palavra. Margarida Maria Taddoni Petter[ii] apresenta cinco possibilidades de realização a depender da posição em que se inserem:
(i) sufixação: depois da base. Ex: livro> livro-s; casa>caseiro;
(ii) prefixação: antes da base. Ex: ler>re-ler;
(iii)Infixação: dentro da base. Ex: emKmu (língua Laos): /rkel) / "esticado" > / rmkel)/ "esticar" (intixo /-m-/);
(iv) Circunfixos: são afixos descontínuos que enquadram a base, como em Georgiano (Cáucaso): /U...es/"muito" - /u-Iamaz-es-i/ "muito bonito" (cf./lamaz-i/"bonito")
 (v) Os transfixos são descontínuos e atuam numa base descontínua, como em Hebraico: /sagar/ "ele fechou"; /esgor/ "eu fecharei". “Embora u- pareça ser um prefixo e -es assemelhe-se a um sufixo, nenhum dos dois tem significado isoladamente, por isso é preferível tratar a combinação dos dois como uma unidade”.
Algumas considerações importantes destinam-se à presença de infixos na língua portuguesa, os quais podemos descartar quando percebemos que o único exemplo seria “quaisquer”, plural de qualquer. No entanto, pode-se perceber que a justaposição das palavras qual- e –quer não encontra alteração na sua base, senão uma flexão de número em qual/quais, sem que haja alteração na raiz da palavra.
REDUPLICAÇÃO
Processo morfológico que consiste em repetir fonemas da base, com modificações presentes ou não, a ser verificado pelo pesquisador. Esse morfema reduplicado pode aparecer antes ou depois da raiz ou em seu interior, pois repete-se parte dela ou toda a base. Em línguas clássicas, o processo está associado à flexão verbal.
A reduplicação pode conferir  intensidade (kitsyi "pequeno" kitsyikitsyi "muito pequeno"); iteração (nda "andar" ndanda "perambular"); ou distribuição (dosy "dois" dodosy "ambos"). Esses são exemplos da língua Fa d’Ambu, crioulo de base portuguesa falado na Ilha de Ano Bom.
ALTERNÂNCIA
Fenômeno que ocorre também na língua portuguesa e em línguas clássicas e produz a alteração em um som da base, pela alternância ou substituição/acréscimo não arbitrária desses traços característicos. Petter exemplifica com as formas verbais pus/pôs, fiz/fez. Em ambos, a alternância nos sons produz alteração na pessoa do verbo, de primeira para terceira do singular.

SUBTRAÇÃO
Ocorre a eliminação de segmentos na base da palavra, expressando alteração no sentindo da palavra, como ocorre na marcação de gênero das palavras na língua francesa: a partir da palavra feminina, o masculino é criado pela subtração de um segmento. Exemplo:
/Sat/ > /Sa/ : a primeira significa gata e a segunda, gato.
A autora ainda discute a relação de predominância entre a morfologia flexional e a morfologia lexical. Enquanto o termo flexional traz claro à mente a presença de um afixo que indique o grau ou classe da palavra, a morfologia lexical enriquece ainda mais a língua com a criação de novas palavras para alterar a classe gramatical ou o grau de um adjetivo, por exemplo.
No exemplo inicialmente citado, quando somamos a flexão – s à palavra no singular, temos a flexão de número dessa palavra. Quando, no entanto, observamos os pares citados por Petter (idem), percebemos que a criação de palavras acontece ainda que o mais recorrente seja a manutenção da palavra com aposição de um afixo: mais comum é trabalho – trabalhador; lavrar-lavrador. Ocorrem também ensinar/educador, e não *ensinador; estudar/estudante, e não *estudador.[iii] Petter explica que a posição onde deveriam constar, pela sistemática da língua, as palavras marcadas com *, já há palavras marcando essa posição, o que impede ou limita o surgimento das formas que seriam mais recorrentes.




















[i] KEHDI, Valter. Morfemas do Português. 1996. Ed. Ática, 5ª edição.
[ii] PETTER, M. M. Taddoni. Morfologia. In: FIORIN, J. L. Introdução à Linguística II. Princípios de análise. São Paulo, Contexto, 2010.
[iii] O sinal de asterisco ao início das palavras indica sua não pertença ao idioma, ou seja, sua agramaticalidade.