Fonte: g1.globo.com – em 14/07/2013. “Manifestantes chegam ao Palácio Guanabara por volta das 18h40” (Foto: Alba Valéria Mendonça/G1).
O tema do último AVM individual é o atual contexto político e social do país: o Brasil está não menos que mergulhado em uma revolução social: manifestações que ofuscaram o início dos jogos da Copa das Confederações, reviravolta nas discussões de propostas de lei... Muito inédito e muito bem-vindo. Os estudantes estão completamente entregues aos protestos, tentando escolher o futuro e o país que querem para viver.
Nesse
contexto está inserida a imagem que ilustra nossa discussão linguística desse
último AVM:
“DILMA
CONSTRUIU ESTÁDIO. NÓS CONSTRUIREMOS UM ESTADO!”
Na
faixa em frente ao Palácio da Guanabara, sede do poder executivo do estado do
Rio de Janeiro, manifestantes cobram essa reconstrução.
Morfologia!
Construiremos,
antes de um Estado, um Blog: a missão é discutir alomorfia, morfema zero e
processos morfológicos.
Dizemos
que o alomorfe é a realização de um segmento distinto que contenha a
mesma semântica, isto é, a mesma noção de plural, como em –s e –es, nos pares
MÚSICA/MÚSICAS e COLAR/COLARES. No português, como a
realização do morfema –s é mais recorrente do que seus outros correspondentes –
há outras formas de representar plural – dizemos que essa é a forma básica.[i]
É fundamental, portanto, para garantir que um morfema seja considerado alomorfe
de outro, que a sua realização represente necessariamente a mesma função
semântica da forma básica.
Vejamos,
em CONSTRUIREMOS: a segmentação pode acontecer identificando a raiz e seus
afixos.
1-constru-ir
(Infinitivo. sufixo –ir indica que o verbo pertence à terceira conjugação)
2-constru-i-re-mos
(-i- vogal temática da 3ª conjugação; -re- tempo verbal futuro do indicativo;
-mos 1ª pessoa do plural)
3-constru-í-mos
(-i- vogal temática da 3ª conjugação; -mos 1ª pessoa do plural)
Percebemos
pela comparação das formas verbais eleitas que a raiz é constru-, pois se
mantém em todas as segmentações e que a vogal temática indica a conjugação à
qual obedece o verbo.
Para o par entre as palavras 2-3, um fenômeno
atrai especial atenção: é a ausência de um afixo de tempo que marca o presente
do indicativo. Pode-se, então, afirmar que essa ausência é recorrente? Sim,
após a análise de outros grupos completos de palavras.
Senão
vejamos: se analisarmos as formas verbais CONSTRUIR e VIAJAR, observaremos a
regularidade desse morfema zero denotando o presente do indicativo na 1ª pessoa
do plural. Ao final deste post, pode-se
conferir a conjugação no modo indicativo dos verbos analisados.
Morfema
zero, então, é a representação semântica por meio de um vazio recorrente e
sistemático, alegado pelo linguista quando os estudos comprovam que o
significado não surge de outro morfema ou quando não há morfemas cumulativos,
que trazem a semântica de tempo e modo juntos, ou de número e pessoa, aspecto.
Um
adendo: há palavras como pires, lápis e ônibus em que não é possível formar
plural pela aposição de um afixo. nesse sentido, há morfema zero de número, mas
essa noção semântica emerge do contexto: o pires quebrou/os pires quebraram-se;
o lápis preto/os lápis pretos; o ônibus lotado/os ônibus lotados.
Para
finalizar, um tema que mereceria um texto inteiro a ele dedicado: os processos
morfológicos!
Os
processos morfológicos são os seguintes:
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ADIÇÃO
No
primeiro tipo temos, como o nome sugere, a adição de um afixo à raiz da palavra.
Margarida Maria Taddoni Petter[ii]
apresenta cinco possibilidades de realização a depender da posição em que se
inserem:
(i)
sufixação: depois da base. Ex: livro> livro-s; casa>caseiro;
(ii)
prefixação: antes da base. Ex: ler>re-ler;
(iii)Infixação:
dentro da base. Ex: emKmu (língua Laos): /rkel) / "esticado" > /
rmkel)/ "esticar" (intixo /-m-/);
(iv)
Circunfixos: são afixos descontínuos
que enquadram a base, como em Georgiano (Cáucaso): /U...es/"muito" -
/u-Iamaz-es-i/ "muito bonito" (cf./lamaz-i/"bonito")
(v) Os transfixos são descontínuos e atuam
numa base descontínua, como em Hebraico: /sagar/ "ele fechou"; /esgor/
"eu fecharei". “Embora u- pareça ser um prefixo e -es assemelhe-se a um
sufixo, nenhum dos dois tem significado isoladamente, por isso é preferível
tratar a combinação dos dois como uma unidade”.
Algumas
considerações importantes destinam-se à presença de infixos na língua
portuguesa, os quais podemos descartar quando percebemos que o único exemplo
seria “quaisquer”, plural de qualquer. No entanto, pode-se perceber que a
justaposição das palavras qual- e –quer não encontra alteração na sua base,
senão uma flexão de número em qual/quais, sem que haja alteração na raiz da
palavra.
REDUPLICAÇÃO
Processo
morfológico que consiste em repetir fonemas da base, com modificações presentes
ou não, a ser verificado pelo pesquisador. Esse morfema reduplicado pode
aparecer antes ou depois da raiz ou em seu interior, pois repete-se parte dela
ou toda a base. Em línguas clássicas, o processo está associado à flexão
verbal.
A
reduplicação pode conferir intensidade (kitsyi
"pequeno" kitsyikitsyi "muito pequeno"); iteração (nda
"andar" ndanda "perambular"); ou distribuição (dosy
"dois" dodosy "ambos"). Esses são exemplos da língua Fa d’Ambu,
crioulo de base portuguesa falado na Ilha de Ano Bom.
ALTERNÂNCIA
Fenômeno
que ocorre também na língua portuguesa e em línguas clássicas e produz a
alteração em um som da base, pela alternância ou substituição/acréscimo não
arbitrária desses traços característicos. Petter exemplifica com as formas
verbais pus/pôs, fiz/fez. Em ambos, a alternância nos sons produz alteração na
pessoa do verbo, de primeira para terceira do singular.
SUBTRAÇÃO
Ocorre
a eliminação de segmentos na base da palavra, expressando alteração no sentindo
da palavra, como ocorre na marcação de gênero das palavras na língua francesa:
a partir da palavra feminina, o masculino é criado pela subtração de um
segmento. Exemplo:
/Sat/
> /Sa/ : a primeira significa gata e a segunda, gato.
A
autora ainda discute a relação de predominância entre a morfologia flexional e
a morfologia lexical. Enquanto o termo flexional traz claro à mente a presença
de um afixo que indique o grau ou classe da palavra, a morfologia lexical
enriquece ainda mais a língua com a criação de novas palavras para alterar a
classe gramatical ou o grau de um adjetivo, por exemplo.
No
exemplo inicialmente citado, quando somamos a flexão – s à palavra no singular,
temos a flexão de número dessa palavra. Quando, no entanto, observamos os pares
citados por Petter (idem), percebemos que a criação de palavras acontece ainda
que o mais recorrente seja a manutenção da palavra com aposição de um afixo: mais
comum é trabalho – trabalhador; lavrar-lavrador. Ocorrem também ensinar/educador,
e não *ensinador; estudar/estudante, e não *estudador.[iii]
Petter explica que a posição onde deveriam constar, pela sistemática da língua,
as palavras marcadas com *, já há palavras marcando essa posição, o que impede
ou limita o surgimento das formas que seriam mais recorrentes.
[i] KEHDI,
Valter. Morfemas do Português. 1996. Ed. Ática, 5ª edição.
[ii]
PETTER, M. M. Taddoni. Morfologia. In: FIORIN, J. L. Introdução à Linguística
II. Princípios de análise. São Paulo, Contexto, 2010.
[iii]
O sinal de asterisco ao início das palavras indica sua não pertença ao idioma,
ou seja, sua agramaticalidade.